Wednesday, December 10, 2008

beijos...

roubei de ti o que tinhas já assaltado... não resisti:

«Toco a tua boca.

Com um dedo, toco a borda da tua boca, desenhando-a como se saísse da minha mão, como se a tua boca se entreabrisse pela primeira vez, e basta-me fechar os olhos para tudo desfazer e começar de novo, faço nascer outra vez a boca que desejo, a boca que a minha mão define e desenha na tua cara, uma boca escolhida entre todas as bocas, escolhida por mim com soberana liberdade para desenhá-la com a minha mão na tua cara e que, por um acaso que não procuro compreender, coincide exactamente com a tua boca, que sorri por baixo da que a minha mão te desenha.

Olhas-me, de perto me olhas, cada vez mais de perto, e então brincamos aos ciclopes, olhando-nos cada vez mais de perto. Os olhos agigantam-se, aproximam-se entre si, sobrepõem-se, e os ciclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam sem vontade, mordendo-se com os lábios, quase não apoiando a língua nos dentes, brincando nos seus espaços onde um ar pesado vai e vem com um perfume velho e um silêncio. Então as minhas mãos tentam fundir-se no teu cabelo, acariciar lentamente as profundezas do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de uma fragrância obscura. E se nos mordemos a dor é doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo do fôlego, essa morte instantânea é bela. E há apenas uma saliva e apenas um sabor a fruta madura, e eu sinto-te tremer em mim como a lua na água.»

o jogo do mundo
julio córtazar

Monday, December 8, 2008

o novo mundo

tenho dias, momentos em que penso se as escolhas que fazemos serão realmente a melhor opção... naquele instante em que estou prestes a tornar a minha vida diferente, a ir por um caminho que desconheço... olho em frente e não sei o que se encontra para além dos meus pés... e os meus passinhos outrora confiantes deixam o meu corpo balançar e estremecer, contudo tomo balanço, tomo coragem e decido, respiro fundo e convenço-me de que tudo correrá bem. deixo-me sair do meu casulo, parto à aventura sem nunca ousar sequer que ao olhar para trás deixei saudades, incertezas, dúvidas.

as dúvidas, as incertezas e as saudades aparecem como certas e os caminhos pelos quais me decidi ficam ainda mais turvos que da primeira vez.

os amigos, os sorrisos e abraços que deixei deliberadamente para trás outrora cheia de incertas certezas e fantasias invadem os meus sonhos e assim permaneço parada a divagar num futuro que poderia ter sido diferente, tivesse eu me deixado ficar quietinha sem grandes mudanças, sem a possibilidade de me desiludir se por acaso o chão me falhasse.

dizem-me com experiência que só nos arrependemos do que não fizemos, que olhar para trás à procura de soluções, de respostas, de um "e se eu tivesse feito..."...

será que também nos arrependemos do que fazemos... do que um dia nos lembramos de arriscar e mudar...
perguntas que não quero ver respondidas...

sonhos que partiram, viagens, saudades que ficam...


mia*

Tuesday, December 2, 2008

Luz

não gosto de luz...
com ela vêm uma infinidade de certezas, com ela tudo fica mais claro, as verdades vêem-se melhor.

e assim me deixo permanecer neste vazio de escuridão, fecho as cortinas não quero saber que um novo dia já nasceu, a esperança do que contemplarei há muito me abandonou... a luz não me deixa continuar a mentir-me. os novos dias trazem as mesmas realidades, os mesmos dolorosos sentimentos, nada mudou..
de noite a luz fosca da lua deixa enublados os meus sentidos, perco a clareza no que vejo deixo que a esperança me continue a alimentar...

o brilho do sol ofusca-me, atordoa-me, magoa, fico feliz quando sinto o seu calor no meu pescoço, deixo que me aqueça, fecho os olhos, a vontade de ver desaparece, desejo que chegue a noite para que as minhas lágrimas não se vejam, para que o som do meu soluçar desapareça baixinho por entre os silêncios.

quero sentir o calor do teu abraço...